Introdução
Nos últimos anos tem sido frequente o decretamento de tolerâncias de ponto pelo Ministro que superintende a área de trabalho antes, durante e/ou a seguir aos feriados e outras datas comemorativas, fundamentando-se na necessidade de proporcionar um bom ambiente festivo aos cidadãos Moçambicanos e estrangeiros residentes em Moçambique. Esta situação não tem agradado aos empregadores que vêm a medida como um obstáculo para o crescimento das suas empresas, pois ela afecta negativamente a sua produtividade e coloca em risco o cumprimento dos seus compromissos comerciais.
Portanto, os empregadores têm lançado várias e duras críticas ao Governo por conta das referidas tolerâncias de ponto, gerando debates à vários níveis da sociedade Moçambicana.
Neste cenário, o Conselho de Ministros aprovou no dia 12 de Maio de 2015, através do Decreto no 7/2015 de 3 de Junho, o Regulamento das Tolerâncias de Ponto, que passamos a analisar nos pontos seguintes.
A aprovação do Regulamento das Tolerâncias de Ponto
O Regulamento das Tolerâncias de Ponto (RTP) tem como objecto fixar as regras e critérios para a concessão de tolerâncias de ponto de âmbito nacional, para cidades e vilas municipais, bem como para as datas comemorativas de cidades e vilas não municipais (artigo 1 do RTP), e abrange os trabalhadores do sector público e privado, à excepção dos trabalhadores que pela sua natureza não possam sofrer interrupção (artigo 3 do RTP).
O RTP estabelece como datas de tolerância de ponto de âmbito nacional (artigo 5 do RTP):
a) A data marcada para a votação em eleições gerais e em eleições para as assembleias provinciais;
b) A data da tomada de posse do Presidente da República eleito;
c) O período da tarde do dia que antecede o feriado relativo ao primeiro dia do ano novo, excepto se coincidir com o Domingo.
Em relação as cidades e vilas municipais, o RTP estabelece como datas para as tolerâncias de ponto (artigo 6 do RTP):
a) A data marcada para a realização das eleições autárquicas;
b) A data que marca a elevação da circunscrição territorial à categoria de cidade ou vila, não devendo existir mais do que uma tolerância de ponto.
Compete ao Ministro que superintende a área do Trabalho conceder outras tolerância de ponto (artigo 5, no 2, do RTP).
A verificação das tolerâncias de ponto confere aos trabalhadores abrangidos o direito de suspender a prestação da actividade laboral, sem perda de remuneração, e aos trabalhadores não abrangidos, que tenham efectivamente estado a trabalhar nesse dia, o direito à remuneração normal diária acrescida de 100% (artigo 8 do RTP).
Efeito prático da aprovação do Regulamento das Tolerâncias de Ponto
Da análise às disposições do RTP não se vislumbra qualquer efeito prático de mudança do actual cenário do decretamento indiscriminado de tolerâncias de ponto em Moçambique. As normas previstas no RTP só vêm a confirmar o que já acontecia em Moçambique, na medida em que todas as datas nelas definidas como de tolerâncias de ponto já eram assim consideradas antes da sua aprovação.
Aliás, nem se podia esperar muito deste regulamento, na medida em que a competência para conceder a tolerância de ponto é do Ministro que superintende a área do trabalho, conforme o artigo 97, no 1, da Lei do Trabalho (Lei no 23/2007, de 1 de Agosto).
Portanto, nos parece forçada a competência a que se confere o Conselho de Ministros para conceder as tolerâncias de ponto ao abrigo do artigo 204, no 1, alínea a) da Constituição da República. Não obstante, ainda que se pudesse inferir que o Conselho de Ministros tem competência para conceder tolerância de ponto através desta disposição, ele não o podia fazer por decreto pois já existe uma Lei emanada pela Assembleia da República que rege a mesma matéria. Esta Lei é hierarquicamente superior ao Decreto e todas as disposições do mesmo (Decreto) que contrariem aquela Lei são ineficazes, na medida em que um Decreto do Conselho de Ministros não pode revogar ou alterar uma Lei emanada pela Assembleia da República. Só por via de um Decreto-Lei, que pressupõe uma autorização legislativa da Assembleia da República, é que “se podia colocar a possibilidade ou hipótese” de o Conselho de Ministros regular a matéria das tolerâncias de ponto, atendendo que os Decreto-Leis estão na mesma posição hierárquica que das Leis emanadas pelas Assembleia da República.
Por conseguinte, é ineficaz a norma estabelecida no artigo 5, no 2, do RTP, no sentido de que compete ao Ministro que superintende a área do Trabalho conceder outras tolerâncias de ponto, pois a Lei do Trabalho (que é hierarquicamente superior ao RTP) confere competência ao Ministro que superintende a área do trabalho para conceder todas as tolerâncias de ponto.
Soluções propostas
Para o problema em questão propomos que Conselho de Ministros realize uma auscultação pública às entidades directamente afectadas com a concessão indiscriminada de tolerâncias de ponto de modo a colher as suas sensibilidades sobre o assunto e, posteriormente, elaborar um projecto de Lei com base nas mesmas e submetê-lo à Assembleia da República para efeitos de discussão e aprovação.
A existência de uma Lei emanada pela Assembleia da República a fixar regras e critérios para a concessão de tolerâncias de ponto, alterando obviamente a Lei do Trabalho, afasta desde logo o problema da competência duvidosa (do Conselho de Ministros em conceder tolerâncias de ponto) ora existente com a entrada em vigor do RTP. Passávamos a ter uma Lei nova da Assembleia da República a alterar as disposições de uma Lei anterior do mesmo órgão (Assembleia da República), o que é tecnicamente correcto. E, fora a questão técnica, passávamos ter uma Lei nova que respondesse positivamente aos anseios e interesses das entidades directamente afectadas por ela, o que se traduz num efeito prático também positivo.
Conclusão
Com a entrada em vigor do Regulamento das Tolerâncias de Ponto (RTP) não se vislumbra qualquer efeito prático, na medida em que o mesmo não traz algo de novo. O RTP veio confirmar o que já acontecia em Moçambique, na medida em que todas as datas nelas definidas como de tolerâncias de ponto já eram assim consideradas antes da sua aprovação. Portanto, continuam por satisfazer os interesses e anseios dos empregadores que vêm as tolerâncias de ponto como factor que contribui para a quebra da produtividade das suas empresas e para o incumprimento dos seus compromissos comerciais.
Por outro lado, o Conselho de Ministros não podia conceder as tolerâncias de ponto por Decreto, na medida em que a competência para referida concessão é conferida, pela Lei do Trabalho, ao Ministro que superintende a área de trabalho, pelo que são ineficazes as normas do RTP que contrariam esta Lei.
Deste modo, propõe-se que o Conselho de Ministros realize uma auscultação pública para colher as sensibilidades das pessoas directamente afectadas pelo decretamento indiscriminado de tolerância de ponto e elabore um projecto de Lei que responda aos anseios e interesses dos mesmos e submeta à Assembleia da República para efeitos discussão e aprovação.