Introdução
A migração e a mobilidade humana tornaram-se uma das principais tendências do século XXI e uma das questões mais actuais e controversas do nosso tempo. Para fazer face aos desafios impostos pela dinâmica do controle do movimento migratório e combate à imigração ilegal foi aprovada, em Moçambique, a Lei que estabelece o Regime Jurídico do Cidadão Estrangeiro (Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro) e revogada a Lei anterior – Lei n° 5/93 de 28 de Dezembro.
No contexto da nova Lei, abordamos a seguir as principais matérias inerentes às normas de entrada, permanência e saída do cidadão estrangeiro no território nacional.
I. Entrada e recusa de entrada no território nacional
A entrada do cidadão estrangeiro no território nacional é feita mediante a apresentação, aos postos fronteiriços, de documentos legalmente exigidos, dos quais inclui-se o visto (salvo os casos de isenção) e meios de subsistência, que podem ser dispensáveis mediante apresentação do termo de responsabilidade de alimentação e alojamento emitido por cidadão nacional ou estrangeiro residente no território nacional.[1]
Não obstante, a entrada no território nacional pode ser recusada, quando o cidadão estrangeiro apresente passaporte (ou documento de viajem equiparado) que não seja válido, tenha expirado, seja rasurado e com indício de falsidade, alheio, ou quando o cidadão conste da lista de interditos de entrar, constitua perigo ou grave ameaça para a ordem pública, tenha sido multado por violação das leis migratórias, não possua meios de subsistência comprovada, não apresente passagem de retorno ao país de origem, seja menor não autorizado ou não acompanhado, entre outros motivos elencados na Lei.[2]
Nestes termos, ao abrigo da Lei, recai sobre as transportadoras, que transportem cidadãos estrangeiros que não reúnam condições que os habilitem a entrar no país, a responsabilidade pelo reembarque do cidadão em curto espaço de tempo, repatriamento, despesas de alimentação e assistências que se julgarem necessárias enquanto o cidadão estiver no território nacional. Note-se que, as responsabilidades em alusão são igualmente imputadas à pessoa singular que transporte o cidadão estrangeiro que não reúne condições de entrada. [3]
II. Vistos de entrada no território nacional
O visto é um documento que habilita o titular a receber a permissão de entrada no território nacional no posto fronteiriço. Pode ser simples ou múltiplo, e pode revestir qualquer das seguintes modalidades: [4]
a) Visto Diplomático, de Cortesia e Oficial – é concedido ao titular de passaporte diplomático, de serviço ou ordinário, em visita diplomática ou a convite das autoridades moçambicanas. Permite a permanência até 30 dias e é válido para duas (2) entradas;
b) Visto de Residência – é concedido ao cidadão que pretende fixar residência no território nacional. Permite permanência por 30 dias prorrogáveis até 60 dias e é válido para uma entrada;
c) Visto Turístico – é concedido ao cidadão que venha em viagem turística ou recreativa. Permite permanência até 90 dias contínuos ou interpolados durante 12 meses;
d) Visto de Trânsito – é concedido ao cidadão que entra no país para alcançar outro país. É concedido por 7 dias não prorrogáveis;
e) Visto de Visitante – é concedido para fins que não justifiquem outra modalidade de visto. É válido por 15 dias prorrogáveis até 90 dias;
f) Visto de negócios – é concedido para fins de prospecção de negócios, realização de pesquisas científicas, participar de reuniões, conferências, workshops, assembleias gerais, entre outros eventos afins. Permite permanência até 90 dias não prorrogáveis e é válido para múltiplas entradas;
g) Visto de Estudante – é concedido para fins de frequentar uma instituição de ensino oficialmente reconhecida no território nacional. É válido por 12 meses, prorrogáveis enquanto perdurar os motivos da concessão;
h) Visto de Trabalho – é concedido para fins de exercício de uma actividade remunerada ou não, no interesse do Estado ou por conta de outrem, observadas as formalidades de contratação de mão-de-obra estrangeira. Permite múltiplas entradas e permanência até 1 ano prorrogável por igual período de acordo com o contrato;
i) Visto de Fronteira – é concedido ao cidadão proveniente do país onde não haja representação diplomática ou consular da Républica de Moçambique. Permite permanência até 30 dias não prorrogáveis é válido para 2 (duas) entradas;
j) Visto de Permanência Temporária – é concedido ao cônjuge estrangeiro e filhos menores ou incapazes do cidadão estrangeiro que seja titular do visto de trabalho ou visto para actividade de investimento. É também concedido para quem venha ao país para um tratamento médico, actividade religiosa ou de voluntariado. Permite permanência até 1 ano prorrogável enquanto perdurarem as razões da sua concessão;
k) Visto de Transbordo de Tripulantes – é concedido nos postos marítimo, aéreo, ou ferroviário e permite a transferência do tripulante entre os meios referidos;
l) Visto para Actividades Desportivas ou Culturais – é concedido ao cidadão credenciado e destina-se a participação em competições ou treinamento desportivo, ou ainda em actividades culturais. Permite permanência por 30 dias prorrogáveis até 90 dias. E é válido para 1 (uma) entrada;
m) Visto de Actividade de Investimento – é concedido ao investidor, representante, procurador, ou titular do órgão de direcção da empresa investidora, para fins de implementação do projecto de investimento de valor igual ou superior a 500 mil dólares norte-americanos e permite a concessão da autorização de residência. Permite múltiplas entradas e permanência até 2 anos, para investimento de valor igual ou superior a 500 mil dólares norte-americanos e permanência até 5 anos prorrogáveis para projectos de valor igual ou superior a 50 milhões de dólares norte americanos;
n) Visto para Assistência Humanitária – é concedido ao cidadão que vem ao país a convite das autoridades governamentais, organizações internacionais e organizações não governamentais, a fim de prestar trabalho humanitário sem fim lucrativo, no âmbito do estado de emergência ou situação de calamidade pública e outros declarados nos termos da Constituição da República e da lei. É válido para múltiplas entradas e permite permanência pelo período de 90 dias prorrogáveis por mais 90 dias mediante pedido devidamente fundamentado.
A prorrogação de permanência é um acto migratório que habilita o titular a permanecer por mais tempo no território nacional de acordo com o período autorizado.[5]
Outrossim, a Lei prevê os requisitos para a obtenção do visto bem como os termos de isenção, sendo que, relativamente à matéria do cancelamento do visto, importa destacar que compete aos Serviços de Migração o cancelamento do visto quando o cidadão estrangeiro se encontre em território nacional e compete às Missões Diplomáticas ou Consulares da República de Moçambique o cancelamento do visto antes da entrada do cidadão no território nacional. [6]
III. Autorização de residência e suas modalidades
A autorização de residência é um documento que confere ao titular o direito de residir na República de Moçambique pelo período nele indicado. O documento em alusão reveste 2 (duas) modalidades designadamente: Autorização de Residência Temporária e Autorização de Residência Permanente.[7]
A Autorização de Residência Temporária é emitida com a validade de 1 ano, renovável por igual período enquanto perdurarem os motivos da concessão. Quando a autorização se prolongue por período superior a 10 anos consecutivos e se mantenham as razões da sua concessão, o titular passa a ter a direito à residência permanente.
A Autorização de Residência Permanente é concedida ao cidadão estrangeiro mediante a sua solicitação e tem a validade de 5 anos, renováveis por iguais períodos.
Contudo, é exigível em qualquer das modalidades de autorização supramencionadas, que o titular comunique, no prazo de 30 dias contados a partir da sua verificação, a alteração dos elementos de identificação, ou alteração do estatuto pessoal do cidadão estrangeiro, junto aos Serviços de Migração.[8]
IV. Saída do cidadão estrangeiro do território nacional
A saída do cidadão estrageiro do território nacional pode ser voluntária ou coerciva. [9]
A saída coerciva ocorre por expulsão do cidadão estrangeiro precedida por um processo administrativo, do qual, pode ser proferido um despacho de expulsão devidamente fundamentado, sendo que, constituem fundamentos de expulsão, sem prejuízo das disposições dos tratados e convenções internacionais, a entrada e permanência irregular no país, atentar contra a segurança nacional, presenciar actividades migratórias ilícitas e não denunciar, desrespeitar a Constituição, entre outros previstos na lei. [10]
Da medida de expulsão administrativa cabe recurso contencioso ao Tribunal Administrativo sem efeitos suspensivos.
Ademais, se, durante a instrução do processo administrativo, verificar-se que a matéria é de natureza criminal, o processo deve ser remetido ao tribunal competente nos termos do disposto no número 3 do artigo 45 da Lei n°23/2022 de 23 de Dezembro.
No entanto, foi infeliz o legislador ao estabelecer a norma do número 3 do artigo 45 da Lei n° 23/2022 de 23 de Dezembro, na medida em que a matéria em questão é regulada de forma diversa pelo Código do Processo Penal (CPP), que é uma lei especial em relação a Lei n° 23/2022 de 23 de Dezembro, sendo que as suas normas (as do CPP) prevalecem sobre as normas da Lei em alusão, nos termos do n° 3 do artigo 7º do Código Civil (CC).
Portanto, ao abrigo do artigo 286 do Código do Processo Penal (CPP), sempre que um órgão revestido de competência de fiscalização presenciar qualquer crime cuja denúncia é obrigatória, deve levantar o auto de notícia e remetê-lo ao Ministério Publico.
Ora, o Serviço Nacional de Migração é um órgão revestido de competência de fiscalização, conforme estabelece o artigo 41 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro, pelo que recai sobre o mesmo a obrigação de levantar o auto de notícia, do qual conste tudo o que tiver averiguado sobre os factos de natureza criminal, e remetê-lo ao Ministério Público (e não ao Tribunal).
O Ministério Público é, por excelência, o órgão competente para o exercício da acção penal, de tal forma que a denúncia, ainda que facultativa, quando feita à uma entidade diversa do Ministério Público, deve ser remetida a este órgão, para a devida tramitação processual[11]
Com o efeito, no caso de verificação da matéria de natureza criminal, deve se remeter o processo ao Ministério Público e não ao Tribunal, atendendo que aquele é o órgão competente pelo exercício da acção penal [artigo 52 do CPP; artigo 235 da Constituição da República; número 2 do artigo 1, e alínea e) do artigo 4, ambos da Lei n° 1 /2022 de 12 de Janeiro].
V. Entrada e saída de menores no território nacional
O cidadão estrangeiro, que seja menor de 18 anos de idade, pode entrar ou sair do território nacional, acompanhado dos pais. Neste contexto, quando o menor não esteja acompanhado dos pais, só pode entrar ou sair do território nacional mediante apresentação de uma autorização escrita dos pais ou de quem exerce o poder parental, com a assinatura devidamente reconhecida no notário competente. E, nos casos em que o menor esteja acompanhado de apenas um dos progenitores, é exigível a autorização do outro progenitor, expressando o consentimento. Note-se que tanto a autorização de entrada no país quanto a de saída devem estar traduzidas para a língua portuguesa.[12]
Conclusão
A Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro (que estabelece o Regime Jurídico do Cidadão Estrangeiro fixando as respectivas Normas de Entrada, Permanência e Saída do país, bem como os seus Direitos, Deveres e Garantias, e revoga a Lei n° 5/93 de 28 de Dezembro), para além de flexibilizar a migração e a mobilidade humana através da criação de novos vistos e mais abrangentes, veio reforçar, através da matéria inerente à recusa de entrada no território nacional e matéria sobre a responsabilidade das transportadoras, o controle do movimento migratório e expandir a abordagem multissectorial sobre o combate à imigração ilegal, maximizando os benefícios da migração segura, ordeira e regular, para o desenvolvimento do país e segurança dos Cidadãos Estrangeiros envolvidos.
Apesar das melhorias que esta Lei traz para o regime em questão, verifica se que o legislador foi infeliz ao estabelecer no número 3 do artigo 45 da Lei n° 23/2023 que, no âmbito do processo de instrução, ao se verificar que a matéria objecto da mesma é de natureza criminal, deve se remeter o processo ao Tribunal, uma vez que a competência para o exercício da acção penal é do Ministério Público.
Por conseguinte, recomendamos a alteração do disposto no número 3 do artigo 45 da Lei n° 23/2022 de 23 de Dezembro, impondo-se o dever de remeter o processo de expulsão, cuja matéria é de natureza criminal, ao Ministério Público, que é o órgão competente para o efeito [artigo 52 do CPP; artigo 235 da Constituição da República; número 2 do artigo 1, e alínea e) do artigo 4, ambos da Lei n° 1/2022 de 12 de Janeiro].
[1] Artigos 7 e 8 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[2] Artigo 10 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[3] Artigo 12 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[4] Artigos 14 a 33 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[5] Glossário anexo à Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[6] Artigo 34 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[7] Artigos 36, 37 e Glossário, todos da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[8] Artigo 39 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[9] Artigo 44 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[10] Artigo 45 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.
[11] Artigo 288 do Código do Processo Penal.
[12] Artigos 56 e 57 da Lei n° 23/2022 de 29 de Dezembro.