Introdução
No dia 12 de Janeiro de 2022, foi promulgada e mandada publicar a Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro, que aprova o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE) que revoga o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pela Lei n.º 10/2017, de 1 de Agosto. O Estatuto em questão entrará em vigor 180 dias após a sua publicação, isto é, passará a vigorar a partir do dia 12 de Julho de 2022, considerando que foi publicado no dia 11 de Fevereiro.
Portanto, mediante a publicação da Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro, que aprova o novo Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, urge analisar as principais alterações por ela introduzidas, em relação ao anterior aprovado pela Lei n.º 10/2017, de 1 de Agosto.
Pelo que, iremos analisar em especial as condições para a constituição da relação de trabalho no Estado, ou seja, as condições que conferem a qualidade de Agentes e Funcionários do Estado, os deveres e direitos, a responsabilidade disciplinar, a cessação da relação de trabalho no aparelho do Estado e a previdência social obrigatória.
Para efeitos do presente artigo passaremos a designar o Estatuto Geral do Funcionários e Agentes de Estado, aprovado pela Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro, como novo EGFAE e o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 10/2017, de 1 de Agosto, como antigo EGFAE, não obstante aquele ainda não estar em vigor e este ainda estar em vigor.
I. Disposições e princípios gerais
O primeiro capítulo é dedicado às disposições gerais que definem o âmbito e o objecto da aplicação do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, no caso, conforme nos referimos acima, o novo EGFAE em análise estabelece as normas jurídicas aplicáveis à relações de trabalho entre o Estado e seus funcionários que exercem as actividades nas instituições de Administração directa do Estado, entidades descentralizadas, incluindo as autarquias locais, e nas missões diplomáticas e consulares da República de Moçambique.
Em relação aos princípios gerais, que corresponde à Secção II do novo EGFAE, regista-se um acréscimo ao leque de princípios que eram considerados, embora já fizessem parte dos princípios da Administração Pública e, por lógica, aplicáveis aos Funcionários e Agentes do Estado enquanto servidores públicos.
Nesse âmbito, para além dos princípios da legalidade, isenção e imparcialidade, probidade e exclusividade, que são considerados no antigo EGFAE, o novo EGFAE acrescenta à esta secção, nos artigos 6º a 13º, os princípios da ética e deontologia profissional, valores, proporcionalidade, transparência e integridade.
No entanto, foi eliminado desta secção o princípio da exclusividade, que impedia o exercício em simultâneo de funções em mais de um órgão ou instituição do Estado pelo mesmo funcionário fora dos casos permitidos, conforme o artigo 9º do antigo EGFAE.
II. Condições para a constituição da relação laboral
a) Idade limite para o ingresso no Aparelho do Estado
A regra geral é que a relação de trabalho no aparelho do Estado constitui-se através de nomeação em regime de carreira sendo excepcionalmente constituída em regime de contrato.
O novo Estatuto introduz alterações no que concerne aos requisitos para o ingresso no aparelho do Estado, sendo que em relação à idade limite com a qual é elegível um candidato ao aparelho de Estado, continua exigível que o candidato tenha idade superior a 18 anos, contudo, em relação à idade limite, fica dependente de o funcionário visado poder completar o mínimo de 180 contribuições para efeitos de aposentação.
Nestes termos, é necessário analisar a idade para aposentação obrigatória, que é de 60 anos.
Portanto, para completar 180 contribuições é necessário a prestação de serviços por um período de 15 anos.
Com o efeito, para ingressar ao aparelho de Estado, o candidato deverá ter a idade igual ou inferior a 45 anos, conforme previsto no artigo 18º, al. c), conjugado com o artigo 176º, ambos do novo EGFAE.
O antigo EGFAE não discriminava a idade limite para o ingresso no aparelho de Estado, mas igual exercício pode ser feito em relação ao mesma.
Por conseguinte, considerando que a idade da reforma do antigo EGFAE é de 60 e 65 anos para os funcionários de sexo masculino, consoante se trate de aposentação voluntária ou obrigatória e de 60 e 55 anos para os funcionários do sexo feminino, nos mesmos termos, tendo em conta que para a aposentação voluntária o mínimo de contribuições é de 15 anos, então a idade para o ingresso no aparelho do Estado não podia ser superior aos 40 anos para os funcionários de sexo feminino e aos 45 anos para os funcionários do sexo masculino visto que só assim poderiam completar 180 contribuições, correspondentes aos 15 anos de serviço, e assim poderem beneficiar da reforma (151º e 154º do respectivo dispositivo legal do antigo EGFAE).
Deste modo, a idade máxima para o ingresso no aparelho do Estado passará a ser a mesma para ambos sexos.
b) Prazo para a tomada de posse
O prazo para a tomada de posse após a nomeação foi reduzido de 30 dias (artigo 17º do antigo EGFA) para 15 dias e passará a ser prorrogável por um período igual, isto é, 15 dias, conforme previsto no artigo 24º, n.º 1, do novo EGFAE.
III. Faltas, férias e licenças
a) Tipos de Licenças
Os funcionários e agentes do aparelho de Estado têm direito a diversificadas licenças previstas no artigo 74º do antigo EGFAE, que prevê que o funcionário tem direito as licenças de doença, de parto, de paternidade, de casamento, bodas de prata e de ouro, de luto, para exercício de funções em organismos internacionais, para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro, registada, especial e limitada.
O novo EGFAE traz mais três tipos de licenças, designadamente a licença de adopção de lactante, a licença sabática e a licença de participação em eventos culturais ou desportivos oficiais.
A licença de adopção de lactante é regulada na alínea d) do artigo 99º, conjugado com o n.º 6 do artigo 100º do novo EGFAE, e é concedida a requerimento do funcionário ou agente do Estado interessado e tem duração de 60 dias. Portanto, nos casos em que a adopção tenha sido feita por um casal em que ambos sejam funcionários do Estado, implica que com a adopção de lactante a mãe tem direito a 60 dias de licença de adopção e o pai goza de 10 dias de licença de paternidade, nos termos fixados na al. c) do artigo 99º, conjugado com o n.º 4 do artigo 100º do mesmo dispositivo legal.
A licença sabática é concedida aos docentes universitários com categoria de Professor e Investigador Auxiliar, com pelo menos categoria de Professor Investigador nos termos a regulamentar[1]. Ora, o novo EGFAE apenas limita-se a determinar quem é elegível para o gozo da licença sabática, sendo para docentes universitários com categoria de Professor e investigador auxiliar, em relação às situações ou termos em que se pode conceder a licença sabática serão regulados por Lei específica, conforme o estabelece o n.º 16 do artigo 100º do novo EGFAE.
A licença para participação em eventos culturais e desportivos oficiais aplica-se aos funcionários ou agentes que participem dos respectivos eventos em representação da instituição em que trabalham ou do país conforme o estabelece al. m) do artigo 99º, conjugado com o n.º 17 do artigo 100º do novo EGFAE.
Outra novidade é referente ao período de gozo da licença de paternidade, na medida em que o novo Estatuto veio acrescer 3 dias nos 7 dias estabelecidos no antigo Estatuto, por isso, a licença de paternidade passará a ser de 10 dias seguidos ou interpolados nos 30 dias contados a partir da data do nascimento do filho (n.º 4 do artigo 100º do novo EGFAE).
IV. Responsabilidade Disciplinar
a) Infracções e Sanções
No que concerne à infracção disciplinar de “não se apresentar ao serviço limpo, asseado e aprumado punida com sanção de multa”, nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 94º do antigo EGFAE, com a entrada em vigor do novo Estatuto, deixará de ser punida com a sanção de multa e passará a ser punida com a sanção de repreensão pública, conforme previsto na al. f) do artigo 114º, do novo EGFAE.
Em relação à sanção de despromoção, foi acrescentada a infracção disciplinar de “mau atendimento” ao público, conforme a al. n) do n.º 3 do artigo 116º do novo EGFAE.
b) Período de readmissão por expulsão e demissão
Em relação às sanções disciplinares, foi alterado o período de readmissão de um funcionário expulso ou demitido por cometimento de infracções disciplinares a que caibam as respectivas sanções (expulsão ou demissão), sendo que com a entrada em vigor da novo Estatuto nos casos de demissão, o prazo para a readmissão será de 8 anos e, nos casos de expulsão, o prazo será de 12 anos, a contar da data do despacho punitivo [al. e) e f) do artigo 112º, do novo EGFAE], quando no antigo EGFAE os prazos correspondentes são de 4 e 8 anos, respectivamente [al. e) e f) do n.º 1 do artigo 91º do antigo EGFAE].
c) Efeitos acessórios das sanções de demissão e expulsão
No que diz respeito aos efeitos acessórios das sanções de demissão e expulsão, deixarão de ser aplicáveis nos casos de demissão e expulsão os (efeitos acessórios) que implicavam descontos de 365 dias e 730 dias na antiguidade para a fixação da pensão da aposentação, mantendo-se apenas a sanção acessória da não contabilidade do tempo de inactividade no caso de readmissão, iniciando para efeitos de férias e admissão a concurso, conforme o previsto no artigo 124º do novo EGFAE e n.º 3 al. a) do artigo 103º do antigo EGFAE.
d) Acréscimo de infracções puníveis com sanção expulsão
No que diz respeito à sanção de expulsão foram acrescentadas duas infracções que dão lugar à sua aplicação, como é o caso de cobranças ilícitas ou outros actos de corrupção e a violação de regras relativas ao conflito de interesses quando se trate de funcionário que exerça o cargo de chefia ou direcção e ou de confiança, conforme as alíneas c) e i) do artigo 118º do novo EGFAE.
e) Quanto à tramitação do processo disciplinar
O novo Estatuto prevê que, no caso de o funcionário arguido se recusar a receber a nota de acusação, deve lavrar-se uma certidão negativa fazendo menção à recusa, devendo ser assinada por três testemunhas (n.º 2 do artigo 134º do novo EGFAE).
O antigo EGFAE não prevê os efeitos da recusa de recepção da nota de acusação pelo arguido. Contudo, segue a mesma tramitação que o legislador veio consagrar no novo EGFAE: esta nova consagração do legislador confere maiores segurança e certeza jurídicas sobre a legalidade desse procedimento.
f) Prazo para a decisão do processo disciplinar
O prazo para a decisão do processo no antigo EGFAE é de 45 dias (n.os 2 e 5 do artigo 120º do antigo EGFAE) e com a entrada em vigor do novo Estatuto passará a ser de 30 dias [n.os 2 e 5 do artigo 140º do novo EGFAE).
V. Aposentação
Em relação à aposentação, foi alterada a distinção de idade baseada no género, isto é, nos termos do antigo EGFAE a idade para aposentação consoante seja obrigatória ou voluntária é de 65 e 60 anos para os funcionários e agentes do sexo masculino e de 60 e 55 anos para funcionários e agentes de sexo feminino, quando no novo EGFAE essa distinção é eliminada, prevendo para ambos sexos 60 anos de idade e 55 anos de idade, consoante se trate de aposentação obrigatória ou voluntária respectivamente (artigos 175º e 176º do novo EGFAE).
Conclusão
Nas alterações trazidas pelo novo EGFAE, vislumbra-se, entre outros, concretização do princípio da igualdade, nos termos previstos no artigo 36º da CRM, mais especificamente nos que refere:
- À licença de maternidade e paternidade que poderá ser conferida aos pais adoptivos, quando o antigo EGFAE é apenas passível de ser conferida aos pais biológicos;
- À igualdade de género no que concerne à idade de aposentação, que no novo EGFAE passará a ser de 60 e 55 anos de idade para ambos sexos, consoante se trate de aposentação obrigatória ou voluntária, respectivamente, quando no antigo EGFAE é de 65 e 60 para os funcionários do sexo masculino e de 60 e 55 para funcionários do sexo feminino, consoante se trate de aposentação voluntária ou obrigatória para cada um dos sexos, respectivamente.
Por conseguinte, as alterações trazidas pelo novo EGFAE têm as seguintes vantagens:
- Redução de 5 anos no período de aposentação para os funcionários de sexo masculino visto que a idade prevista pelo antigo EGFAE é de 65 e 60 anos de idade, quando no novo EGFAE é de 60 anos.
- A introdução da aplicação da sanção de despromoção pela prática da infracção de mau atendimento ao público que poderá contribuir para o melhoramento do desempenho dos funcionários e agentes do Estado, atendendo à faculdade de os utentes poderem denunciar os casos de mau atendimento.
[1] Nos termos do artigo 4º do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pela Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro, a regulamentação deverá ser feita pelo Conselho de Ministro, no prazo de 180 dias, a contar a partir do dia 12 de Fevereiro de 2022.